quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Um Mestre Em Minha Vida



Meu nome é Gisele, tenho 30 anos e aos 15, fui acometida de uma doença chamada artrite reumatóide.
Poderia iniciar o meu relato, sem necessariamente mencionar a doença, porém quando comecei a pensar em escrever para o Concurso "Um mestre em minha vida", me veio em mente a artrite como Mestra. As dores sempre me ensinaram muita coisa.
Um dia conheci uma pessoa. O nome dela é Cleide. Uma jovem de 27 anos, na época em que a conheci.
Foi em uma reunião do grupo de canto em que faço parte que a vi pela primeira vez.
Devo confessar que fiquei impressionada ao vê-la e para disfarçar o meu desconforto evitava olhar fixamente para ela.
Cleide, sofria de uma enfermidade chamada distrofia muscular espinhal e se locomovia em uma cadeira de rodas, porém não adaptada, que fazia com que fosse bastante desconfortável acredito, ficar com a cabeça apoiada no braço da cadeira de rodas e as pernas fora da cadeira.
Dias depois nos encontramos novamente, no mesmo local e fiquei surpresa e contente ao ver que os amigos tinham improvisado uma caminha para ela, com uma mesa. Ficamos amigas.
Sempre pensava o quanto deveria ser difícil para ela ser totalmente dependente das pessoas para as atividades básicas, como se locomover, porque ela não tinha condições físicas de tocar a própria cadeira, assim como eu também não. Para Tomar banho, comer, até durante à noite, se tivesse vontade de se cobrir, ou mudar de posição, dependia de alguém, já eu não.
Eu, conseguia realizar as outras tantas atividades, apesar de ter limitações.
Um belo dia, estava eu em uma das crises inflamatórias da artrite e ela me ligou.
Perguntou como eu estava e respondi que estava bem. Não quis preocupá-la com as minhas dores.
Perguntei como ela estava e ela me disse que estava sentindo dor no cotovelo (ela passava boa parte do tempo apoiando o pescoço com o braço devido à perda de sustentação na cervical, daí a dor no cotovelo). Me disse que tinha passado a noite inteira com essa dor e muito aflita, pensou em reclamar. Porém se lembrou de mim, de quantas dores eu devo sentir por causa da artrite, as minhas deformidades, limitações e, que, por essa razão ela não deveria reclamar, porque a dor que sentia era apenas em uma articulação ao contrário de mim que sentia dores em todas as articulações.
Fiquei emocionada, porque, naquela hora pude perceber o real estado psicológico que ela se encontrava. Dentro dela, não haviam limitações. Ela me fez ver o quanto, em muitos momentos eu me tornava mais dependente das pessoas para as atividades diárias. Mais dependente, emocionalmente, do que ela mesma que tinha aos meus olhos, mais deformidades e limitações físicas do que eu.
Cleidinha, como os amigos carinhosamente a chamavam, faleceu em 19 de janeiro deste ano, aos 36 anos. Me deixou uma grande lição de vida. Ela foi secretária e assessora de uma instituição. Em sua cadeira-cama, projetada por um dos tantos amigos que ela soube granjear, administrava a instituição. Em seu lar, também não era diferente. Ela dava as coordenadas. Ia até para cozinha em sua caminha e ditava as receitas para o cardápio do dia.
A grande lição que ela me deixou foi a de que não existem barreiras, quando se tem vontade firme, quando se quer realmente fazer algo. Por mais que eu sinta dores, se eu quiser, posso transcender a isso e seguir, assim como a minha amiga fez durante toda a sua existência por aqui.

Grande amiga Cleide.
(Texto selecionado na Promoção Um Mestre em Minha Vida, do Blog listzrangel.blogspot.com)